Domingo, 11 de Março de 2018:
3º Domingo da Quaresma:
«Veneração da Santa Cruz»
(4º antes da Páscoa - Modo grave)
Memória de São Sofrônio, Patriarca de Jerusalém (†38)
No calendário Litúrgico Bizantino há duas datas nas
quais veneramos a Santa Cruz, tamanha é a relevância e o simbolismo
deste instrumento de morte que se transformou em instrumento de vida e
salvação para os cristãos: 14 de setembro (festa principal) e no
Terceiro Domingo da Quaresma.
A Santa Cruz transformou-se, no decorrer dos
acontecimentos da vida da Igreja, no arquétipo da ação salvífica de Deus
e no modelo de resposta do homem. Deus salva os homens pela Cruz,
através de seu Filho que, obediente à vontade do Pai, a abraçou
restaurando aos homens a dignidade filial perdida.
Os primeiros cristãos, conforme relata São
Paulo em suas cartas, começavam a descobrir as riquezas do mistério da
morte de Jesus na cruz, quando à luz da Ressurreição a vislumbravam como
meio de salvação e não como instrumento de perdição. Já que o Senhor
havia morrido numa cruz, em obediência à vontade do Pai, ela foi
acolhida como sinal de humildade e sujeição aos desígnios de Deus. A
resposta do homem ante a vontade divina passou a ser dada de maneira
consistente: a fé no Ressuscitado movia os corações a uma plena
compreensão do plano salvífico.
São Paulo não se limitou apenas a ensinar
sobre o poder que tem a Cruz de libertar os homens do pecado, do egoísmo
e da morte. Ele foi além dessas verdades estendendo o seu significado.
Deu à Cruz a dimensão de Redenção, vendo nela o meio necessário para que
fosse selada a Nova Aliança entre Deus e os homens.
Todo cristão, por participar do amor e da
obediência de Cristo na Cruz, morre para o pecado que o impede de amar a
Deus e aos homens de forma plena e livre. Santo Inácio de Antioquia ( +
117) e São Policarpo (+ 165) lembravam os sofrimentos de Cristo
constantemente em suas pregações, para enfatizar a todos os cristãos que
no escândalo da Cruz se ocultava o profundo amor de Deus pelos homens.
Na cruz trilhava-se o caminho para se chegar à Ressurreição. Por isso,
os cristãos do Oriente veneram a Cruz como símbolo da vitória sobre a
morte.
Todo sofrimento, angústia, desespero e morte
tornam-se secundários diante da magnitude da Ressurreição. O cristão
ortodoxo contempla a Cruz resplandecente, mergulhado no espírito pascal:
o Senhor não terminou sua missão na Cruz, mas fez dela um instrumento
de passagem para se chegar à Vida.
A Cruz para um cristão que esteja imbuído
deste espírito torna-se fonte de bênçãos. A loucura da Cruz de Cristo
ganha a dimensão do amor infinito e totalmente oblativo. Hoje em dia são
muitos os que tem dificuldade em compreender a teologia da Cruz.
Parecem fugir dela por medo de sofrer. O sofrimento e a dor fazem parte
da humanidade. Sofremos ao nascer, sofremos durante a vida e a morte
virá com muito ou pouco sofrimento, mas virá com ele. Não podemos mudar
esta realidade que nos é inerente por natureza. Como cristãos podemos
mudar a compreensão que damos ao sofrimento.
A Cruz, antes vista como horror e escândalo,
passou a ser compreendida como instrumento de salvação. Para que
cheguemos a este amadurecimento espiritual é necessário o encontro com o
Senhor Crucificado que padeceu os horrores da dor, para que Ele mesmo
nos conduza às alegrias da Ressurreição.
Venerar a Cruz é venerar a história humana.
Contemplar a Cruz é contemplar os seres humanos nos mais diversos
continentes do mundo. Venerar a Cruz gloriosa e vivificante é
restabelecer à história humana sua grandeza na História da Salvação. A
Cruz sem Deus revela o abandono e a morte. A Cruz com Deus é sinal de
esperança e vida nova.
Neste terceiro Domingo da Quaresma a Igreja
nos convida a refletir sobre a dimensão que damos à Cruz e ao sofrimento
em nossas vidas. Nossa postura frente à Cruz e ao sofrimento humano
deve assemelhar-se à postura de Maria e a de João, o discípulo do amor.
Estavam em pé diante do Crucificado, contemplando Aquele que era a
Ressurreição e a Vida. Mesmo sem entender o que estava acontecendo
conservavam tudo isso no coração. Não procuravam uma explicação racional
e uma lógica que os fizessem compreender o sofrimento de Jesus. A
lógica que os fazia silenciar e aceitar os desígnios de Deus era a
obediência e a entrega à vontade do Pai.
Quando racionalmente procuramos explicações
para o sofrimento e a cruz, fatalmente cairemos em subjetivismos
perigosos que nos poderão levar a erros e a desvios da fé apostólica. O
homem por si só não pode explicar os mistérios de Deus. A lógica divina
não obedece os parâmetros racionais humanos. A Cruz para a Igreja é
sinal e instrumento de Salvação. Por isso, os cristãos de tradição
bizantina a veneram gloriosa e vivificante, despida dos sentimentos
mórbidos que poderiam ofuscar a sua magnitude. O sofrimento, as dores e a
morte que o Senhor sofreu por meio dela, por mais terríveis que
pudessem ser, fez dela veículo da nossa salvação.
Em recente entrevista à Revista 30 Dias,
assim se expressou Sua Santidade o Patriarca Ecumênico Bartolomeu I,
referindo-se a relação existente entre a Igreja e a Cruz:
«A Igreja deve apoiar a sua força na sua
fraqueza humana, na loucura da Cruz (escândalo para os Judeus, loucura
para os Gregos), e a sua esperança na ressurreição de Cristo. Privada de
todo poder mundano, perseguida e entregue cotidianamente à morte, a
Igreja faz com que surjam santos, que guardam a Graça de Deus em vasos
de argila, que vivem dentro da luz da Transfiguração e são conduzidos
por Deus ao martírio e ao sacrifício.»
Um cristão, à Luz da Ressurreição, carrega
sua cruz subindo o Calvário para a Santidade. O madeiro que sustentou o
corpo do Senhor Crucificado tornou-se Árvore da Vida, pois nele foi
selado o Novo Testamento, a Nova Aliança. Deus pôs no santo Lenho da
Cruz a salvação da humanidade, para que a vida ressurgisse de onde viera
a morte.
Durante o Rito de veneração à Santa e
Vivificante Cruz, entoa-se um canto que nos convida a contemplar o
madeiro sagrado que nos deu a vitória sobre o mal:
«Vinde, fiéis! Adoremos o Madeiro que dá a vida,
no qual Cristo, o Rei da Glória,
estendeu voluntariamente, seus braços,
restaurando em nós a felicidade primitiva.
Vinde,adoremos a Cruz
que nos dá a vitória sobre o mal.»
no qual Cristo, o Rei da Glória,
estendeu voluntariamente, seus braços,
restaurando em nós a felicidade primitiva.
Vinde,adoremos a Cruz
que nos dá a vitória sobre o mal.»
Mais forte é o significado da segunda parte deste mesmo hino que nos faz compreender a dimensão e a grandeza da Cruz de Cristo:
«Hoje, a Cruz é exaltada
e o mundo se liberta do erro.
Hoje, renova-se a Ressurreição de Cristo,
regozijam-se os confins da terra..."
e o mundo se liberta do erro.
Hoje, renova-se a Ressurreição de Cristo,
regozijam-se os confins da terra..."
Na Cruz renova-se a Ressurreição. Pela Cruz a
Vida nos é possível. Pela Cruz a Santidade é uma realidade presente.
Basta o encontro com o Senhor e nossa entrega total a Vontade de Deus.
O silêncio e a meditação nos auxiliarão,
nesta Quaresma, a ver na Cruz e no sofrimento riquezas espirituais nunca
antes vislumbradas por nós, mas já vividas pelos santos. Meditando
sobre a Cruz à luz da Ressurreição, "adoramos a tua Cruz, ó Mestre e
glorificamos a tua Santa ressurreição."
Bibliografia:
DE FIORES, Stefano.
Dicionário de Espiritualidade, São Paulo: Ed. Paulinas, 1989,
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