01 abril 2013

Bartolomeu I e Francisco (19/03/2013)

A extraordinária importância histórica da presença do Patriarca Ecumênico, Bartolomeu I, na coroação do Papa Francisco

George E. Demacopoulos, PhDa-b
19.03.2013

Francisco e Bartolomeu I
Entre as muitas notícias que seguiram a renúncia sem precedentes do Papa Bento XVI, uma dos mais intrigantes foi a decisão de Sua Santidade o Patriarca Ecumênico, Bartolomeu I, de participar da missa inaugural do Pontificado do Papa Francisco. O evento está sendo apresentado pela mídia como algo que não acontecia desde o Grande Cisma, que separou os cristãos do Oriente e Ocidente, no século XI (1054).
Mas essa versão não é necessariamente a mais adequada; apesar de que essa é muito provavelmente a primeira vez na história que um Arcebispo de Constantinopla participará da coroação de um Bispo de Roma. E este é um passo bastante ousado nas relações ecumênicas entre Ortodoxos e Católicos romanos, que poderá ter significativos reflexos no futuro.
Antes do século VI, a eleição de um Bispo de Roma era meramente um assunto local. Na maioria dos casos, o novo Papa era escolhido entre o Clero da cidade e costumeiramente escolhia-se o Sacerdote ou o Diácono mais velho.
Houve algumas exceções, mas este era o padrão. Notícias de uma eleição circulavam por todo o mundo cristão, mas o fluxo das notícias era muito lento para permitir que hierarcas da Igreja do Oriente viajassem a Roma para participar do evento.
Durante o século VI, os exércitos bizantinos conquistaram a península italiana, subjugando a cidade de Roma ao Governo Imperial Romano-Bizantino, cuja sede foi transferida para Constantinopla. Neste contexto, que durou de meados do século VI até a perda de influência bizantina na Itália, no século VIII, a eleição de um novo Bispo de Roma prescindia da aprovação do Imperador bizantino (o mesmo, é claro, valia para a eleição de um novo Patriarca Ecumênico). Sob tal arranjo, as eleições papais levavam mais tempo. Ainda assim, não havia nenhuma razão para que um Patriarca do Oriental viajasse a Roma para participar da instalação de um novo Papado.
Há alguns exemplos deste período bizantino, como a eleição do Papa Pelágio I, em 556 d.C, em que aquele que fora eleito para ser o novo Bispo de Roma estava, no momento da sua eleição, em Constantinopla. Embora seja possível que a cerimônia sacramental para coroação do novo Papa tenha sido realizada em Constantinopla – onde o Patriarca de Constantinopla teria estado presente –, é muito mais provável que a cerimônia oficial tenha ocorrido em Roma e, portanto, teria sido realizada sem a presença do Patriarca.
Ao final da influência bizantina nas eleições papais, no século VIII, a eleição dos Bispos de Roma voltou a ser um assunto local. E, como fatores geopolíticos continuaram a distanciar a Roma de Constantinopla, as relações entre os Papas (Roma) e Patriarcas (Constantinopla) tornaram-se mais estéreis e distantes. Com efeito, entre os séculos IX e XV, há apenas uma ou duas ocasiões em que um Bispo de Roma e um Patriarca Ecumênico se conheceram pessoalmente.
Tendo em conta essas considerações, a decisão de Sua Santidade Bartolomeu I de viajar a Roma para participar da coroação do Papa Francisco como Bispo de Roma é um evento extraordinário na história do Cristianismo. E é significativo por razões que vão muito além de ser um fato inédito. Em primeiro lugar, é um gesto simbólico em prol da unidade dos cristãos. Isso demonstra, de forma sem precedentes, que a relação com a Igreja Católica Romana é uma prioridade para o Patriarca Ecumênico. E a Cúria Romana respondeu a esta grande gesto: a leitura do Evangelho durante a missa inaugural foi cantada em grego (e não em latim), em reconhecimento ao fato de o Patriarca Ecumênico ter dado este passo sem precedentes.
O mundo cristão foi dividido por tanto tempo, de modo que o estabelecimento de uma autêntica unidade cristã exigirá coragem, liderança e humildade. Também será necessário um alicerce fundado na fé e preocupações comuns a ambos. Dadas as atividades anteriormente documentadas do Papa Francisco em relação à justiça social e, ainda, sua insistência de que a globalização é prejudicial para os pobres, parece que as tradições Ortodoxas e Católicas têm uma renovada oportunidade de juntas desenvolverem projetos que envolvam interesses mútuos. Com a ajuda de Nosso Senhor, essa causa comum pode ser transformada em um trabalho teológico mais substantivo. Mas esse trabalho exige um primeiro passo e tudo indica que Patriarca Ecumênico Bartolomeu I está disposto a dar esse primeiro e grande passo.


a Arconte Professor do Povo (Didaskalos tou Genous) e Historiador da Ordem de Santo André do Patriarcado Ecumênico. Co-fundador do Centro de Estudos Cristão-Ortodoxos da Fordham University, em Nova Iorque (EUA), onde leciona Teologia Histórica.
b Texto original em inglês disponível em: www.goarch.org. Tradução: S. Knežević.

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