17 abril 2014

Sexta-Feira Santa (18/04/2014)

A GRANDE E SANTA SEXTA-FEIRA
Ofício da Transladação do Corpo de Cristo: às 9h
Ofício das Lamentações: 19h
(OFÍCIO DAS LAMENTAÇÕES: 1Cor. 5, 6-8; Gl. 3, 13-14 e Mt. 27, 62-66)*
Da luz da grande Quinta-feira passamos às trevas da Sexta-feira, o dia da Paixão do Cristo, de sua morte e de sua sepultura. A Igreja primitiva chamava a este dia "A Páscoa da Cruz", porque ele é de fato o começo desta Páscoa ou Passagem cujo sentido nos será revelado progressivamente; primeiro na paz do Grande e Santo Sábado, depois na alegria do dia da Ressurreição.
   Mas antes, as trevas. Se ao menos pudéssemos imaginar que as trevas da Sexta-feira Santa não são puramente simbólicas e comemorativas! É muito frequentemente com o sentimento de nossa própria justiça e de nossa própria integridade que contemplamos a tristeza solene destes ofícios. Há dois mil anos, sim, homens maus mataram o Cristo, mas hoje nós — o bom povo cristão — levantamos suntuosos túmulos em nossas igrejas; não é esta a prova da nossa justiça? E no entanto, a Sexta-feira Santa não concerne somente ao passado. É o dia do Pecado, o dia do Mal, o dia no qual a Igreja nos ensina a aprender a terrível realidade do pecado e seu poder no mundo. Pois o pecado e o mal não desapareceram: ao contrário, permanecem a lei fundamental do mundo e de nossa vida. Nós que nos dizemos cristãos não entramos frequentemente nesta lógica do mal que conduziu o Sinédrio e Pilatos, os soldados romanos e toda a multidão a detestar, torturar e matar o Cristo? De que lado nós teríamos ficado se tivéssemos vivido em Jerusalém no tempo de Pilatos? Esta é a pergunta que nos é feita por cada uma das palavras do ofício de Sexta-feira Santa. É de fato o dia deste mundo, de sua condenação real e não somente simbólica, e do julgamento real e não somente ritual, de nossa vida... É a revelação da verdadeira natureza do mundo que preferiu então e continua a preferir as trevas à luz, o pecado ao bem, a morte à vida. E condenando o Cristo à morte este mundo condenou-se a si mesmo à morte, e na medida em que aceitamos seu espírito, seu pecado e sua traição a Deus, estamos também condenados... Este é o primeiro significado, terrivelmente realista, da Sexta-feira Santa: uma condenação à morte...
O dia da Redenção
   No entanto, este dia do mal cuja manifestação e triunfo estão em seu paroxismo, é também o dia da Redenção. A morte do Cristo nos é revelada como uma morte salvífica para nós e para nossa salvação. 
   Ela é uma morte salvífica porque é o supremo e perfeito sacrifício. O Cristo dá sua morte a seu Pai e no-la dá também. Ele a dá a seu Pai porque não há outro meio de destruí-la e libertar os homens dela; ora, é a vontade do Pai que os homens sejam salvos da morte. O Cristo nos dá sua morte porque na verdade é em nosso lugar que Ele morre. A morte é o fruto natural do pecado, um castigo iminente. O homem escolheu não mais estar em comunhão com Deus, porém como ele não tem a vida nele mesmo e por ele mesmo, morre. Em Jesus Cristo, entretanto, não há pecado, logo não há morte. É somente por amor a nós que ele aceita morrer; Ele quer assumir e compartilhar de nossa condição humana até o fim. Ele aceita o castigo de nossa natureza, exatamente como assumiu o fardo inerente à natureza humana. Ele morre porque se identifica verdadeiramente conosco, tomou sobre si a tragédia da vida do homem. Sua morte é então a revelação suprema de sua compaixão e de seu amor. E porque sua morte é amor, compaixão e co-sofrimento, nela a própria natureza da morte foi mudada. Ela não é mais um castigo, mas um esplendoroso ato de amor e de perdão, o termo de toda ausência de comunhão e de toda solidão. A condenação é transformada em perdão.
A destruição da morte.
   Enfim, a morte do Cristo é uma morte salvífica porque destrói a própria fonte da morte: o mal. Aceitando-a por amor, entregando-se a seus carrascos e permitindo-lhes uma vitória aparente, o Cristo manifesta que em realidade esta vitória é a derrota decisiva e total do mal. Com efeito, para ser vitorioso, o pecado deve aniquilar o bem, deve provar que ele é toda a realidade da vida, arruinar o bem e, numa palavra, mostrar sua própria superioridade; mas ao longo de sua Paixão, é o Cristo e somente ele que triunfa. O mal nada pode contra ele, pois não pode levar o Cristo a aceitar o mal como verdade. A hipocrisia se revela hipocrisia, o assassinato e o medo. E enquanto o Cristo avança silenciosamente para a Cruz e para seu fim, quando a tragédia humana está em seu apogeu, seu triunfo, sua vitória sobre o mal e sua glorificação aparecem progressivamente em luz plena. A cada passo esta vitória é reconhecida, confessada, proclamada: pela mulher de Pilatos, por José, pelo bom ladrão, pelo centurião. 
   Quando ele morre na cruz, tendo aceito o supremo horror da morte, a solidão absoluta (Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?) não resta senão confessar: "Verdadeiramente este homem era o filho de Deus!" Assim esta morte, este amor e esta obediência, esta plenitude de vida destroem aquilo que faz da morte o destino universal. "E os túmulos foram abertos" (Mt. 27, 52). Já aparecem os primeiros clarões da Ressurreição...
   Este é o duplo mistério desta grande Sexta-feira; os ofícios deste dia nos mostram e nos fazem participar dele. De um lado, eles insistem constantemente sobre a Paixão do Cristo enquanto pecado de todos os pecados, crime de todos os crimes. Nas Matinas (celebrada na noite de quinta-feira), as doze leituras do relato da Paixão nos fazem seguir passo a passo o Cristo em seus sofrimentos; nas Horas (que substituem a divina Liturgia, pois a interdição de celebrar a Eucaristia neste dia significa que o sacramento da presença do Cristo não pertence "à esta criação" de pecado e de trevas, mas que ele é o sacramento do mundo que há de vir); nas Vésperas, enfim, o Ofício das Lamentações (descida da Cruz), as leituras e os hinos estão cheios de solenes acusações contra aqueles que voluntária e livremente decidiram matar o Cristo justificando seu crime em nome de sua religião, de sua lealdade política, de suas considerações práticas e de sua obediência profissional.
   Por outro lado, encontramos desde o começo do ofício o segundo aspecto do mistério deste dia: o do sacrifício de amor que prepara a vitória final. Desde a primeira leitura do Evangelho, onde ressoa a advertência solene do Cristo: "Agora o Filho do Homem foi glorificado e Deus foi glorificado nele", até aos Stycherons do final da Véspera, a luz se faz cada vez mais viva e, ao mesmo tempo, crescem a esperança e a certeza de que a morte será vencida pela morte:
« Ó Tu, Redentor de todos, quando foste colocado num túmulo novo para todos os homens, o Hades que não respeita ninguém, te viu e tremeu de medo. As trancas foram quebradas, as portas se abriram, os mortos levantaram-se. Então Adão, exultante de reconhecimento, gritou a Ti: Glória à tua condescendência, ó tu misericordioso! »
   E quando no final da Véspera, a imagem do Cristo no túmulo (πιτάφιος) é colocada no centro da Igreja, quando este longo dia chega a seu fim, sabemos que a longa história da salvação e da redenção chega também a seu fim. O sétimo dia, o do repouso, o Sábado abençoado desponta e, com ele, a revelação do túmulo que dá vida...
Protopresbítero Alexander SCHMEMANN
Professor e teótogo ortodoxo (1921-1983) 
In: "O mistério pascal: comentários litúrgicos", pp. 23-25
† OFÍCIO DAS LAMENTAÇÕES
Tropário (8º Tom)


Ὅτε οἱ ἔνδοξοι Μαθηταί, ἐν τῷ νιπτῆρι τοῦ Δείπνου ἐφωτίζοντο, τότε Ἰούδας ὁ δυσσεβής, φιλαργυρίαν νοσήσας ἐσκοτίζετο, καὶ ἀνόμοις κριταῖς, σὲ τὸν δίκαιον Κριτὴν παραδίδωσι. Βλέπε χρημάτων ἐραστά, τὸν διὰ ταῦτα ἀγχόνῃ χρησάμενον, φεῦγε ἀκόρεστον ψυχὴν τὴν Διδασκάλῳ τοιαῦτα τολμήσασαν. Ὁ περὶ πάντας ἀγαθός, Κύριε δόξα σοι.
Quando os ilustres discípulos estavam iluminados na ceia e no lava-pés, Judas, o mal adorador, foi ingrato e injusto, e pelo amor ao dinheiro te entregou aos juízes iníquos, ó Justo Juiz. Contempla, ó amante do dinheiro: este homem, por sua avareza, foi levado à forca. Foge do desejo insaciável, o qual ousou tais coisas contra o Mestre. Ó Senhor, que tratas todos com justiça, glória a ti!
Tropário (2º Tom)
Ὁ εὐσχήμων Ἰωσήφ, ἀπὸ τοῦ ξύλου καθελὼν τὸ ἄχραντόν σου Σῶμα, σινδόνι καθαρᾷ, εἱλήσας καὶ ἀρώμασιν, ἐν μνήματι καινῷ κηδεύσας ἀπέθετο. 

Ὅτε κατῆλθες πρὸς τὸν θάνατον, ἡ ζωὴ ἡ ἀθάνατος, τότε τὸν ᾍδην ἐνέκρωσας, τῇ ἀστραπῇ τῆς Θεότητος· ὅτε δὲ καὶ τοὺς τεθνεῶτας ἐκ τῶν καταχθονίων ἀνέστησας, πᾶσαι αἱ Δυνάμεις τῶν ἐπουρανίων ἐκραύγαζον· Ζωοδότα Χριστὲ ὁ Θεὸς ἡμῶν, δόξα σοι. 

Ταῖς Μυροφόροις Γυναιξί, παρὰ τὸ μνῆμα ἐπιστάς, ὁ Ἄγγελος ἐβόα· Τὰ μύρα τοῖς θνητοῖς ὑπάρχει ἁρμόδια, Χριστὸς δὲ διαφθορᾶς ἐδείχθη ἀλλότριος.
O nobre José, tirando do madeiro o teu puríssimo corpo, envelveu-o num lençol de linho branco; e embalsamando-o com aromas, sepultou-o num túmulo novo.

Quando desceste até à morte, Tu que és a Vida Imortal, então destruíste o inferno com o resplendor da tua divindade. E quando ressuscitaste os mortos do fundo da terra, todas as potestades celestes exclamaram ó Cristo Deus, autor da vida, glória a ti!

O anjo apareceu no sepulcro e disse às mulheres portadoras de aromas: os aromas são bons para os mortais, mas Cristo manifestou-se sem corrupção.
Kondákion (8º Tom)
Τὸν δι' ἡμᾶς Σταυρωθέντα, δεῦτε πάντες ὑμνήσωμεν· αὐτὸν γὰρ κατεῖδε Μαρία ἐπὶ τοῦ ξύλου, καὶ ἔλεγεν· Εἰ καὶ σταυρὸν ὑπομένεις, σὺ ὑπάρχεις ὁ Υἱὸς καὶ Θεός μου.
Vinde todos e louvemos Aquele que foi crucificado por nós! A Mãe de Deus, vendo-O sobre a cruz, disse-Lhe: Tu, que sofres tal morte, és em verdade o meu Filho e o meu Deus!
PRIMEIRA EPÍSTOLA DE SÃO PAULO AOS CORÍNTIOS E AOS GÁLATAS
A Lei libertadora de Cristo
(1Cor. 5, 6-8 e Gl. 3, 13-14)
Irmãos, não sabeis que um pouco de fermento leveda toda a massa? Afastai o velho fermento para serdes massa nova, porquanto vós sois ázimos. Pois Cristo, a nossa Páscoa, já foi imolado. Assim celebremos a festa não com o velho fermento, não com o fermento da malícia e da perversidade, porém com os ázimos da pureza e da verdade. 
   Cristo resgatou-nos da maldição da Lei, fazendo-se maldição por nós, pois está escrito: Maldito todo aquele que é suspenso no madeiro. Assim a bênção de Abraão se estendeu aos pagãos em Cristo Jesus e pela fé recebemos a promessa do Espírito.
EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS
Sentinelas em guarda do túmulo
(Mt. 27, 62-66)
No dia seguinte, isto é, depois da sexta-feira, os sumos sacerdotes e os fariseus foram a Pilatos e disseram: “Senhor, lembramo-nos de que aquele impostor disse em vida: ‘Depois de três dias ressuscitarei’. Manda, pois, guardar o sepulcro até o terceiro dia para não acontecer que os seus discípulos venham roubar o corpo e digam ao povo: ‘Ele ressuscitou dos mortos’. E esta última impostura será pior do que a primeira”. Pilatos lhes disse: “Vós tendes a guarda. Ide e guardai-o como bem entendeis”. Eles foram e puseram guarda ao sepulcro depois de selarem a pedra.
* Leituras conforme o Typikon do Patriarcado Ecumênico (Τυπικν τς Μεγάλης το Χριστο Εκκλησίας): Typikon 18-abr-2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário